Caracterização genérica da qualificação atribuída pela UNESCO em 14 de dezembro de 2001

O galardão de PATRIMÓNIO MUNDIAL atribuído pela UNESCO tem enorme valor e relevante significado. Valor e relevância pela raridade, pois não são muitas as paisagens deste tipo classificadas a nível mundial e essa classificação não é como paisagem natural, mas sim como PAISAGEM CULTURAL EVOLUTIVA E VIVA, o que faz toda a diferença. É um raro exemplo em que a intervenção humana na paisagem não a desvaloriza, antes a enobrece. É uma paisagem evolutiva e viva, ou seja, uma região onde uma tradição cultural antiga, baseada na vitivinicultura, se mantém dinamicamente ativa e capaz de se adaptar ao evoluir dos tempos.

É essa paisagem monumental, geologicamente sui-generis pela força telúrica que representa, mas harmoniosamente

humanizada com vinhedos de encosta sabiamente implantados, é essa paisagem, inserida no vale do Rio Douro e seus afluentes, que testemunha diversos processos de implantação de vinha ao longo das épocas e uma organização social e económica que tem também evoluído de acordo com as tecnologias que a cada época se vão impondo a um trabalho humano que nestas condições tem sido sempre bastante penoso. Essa evolução foi trazendo diversidade à paisagem vinhateira, desde as vinhas pré-filoxéricas de socalcos estreitos com muros de xisto, que no dealbar do século XX deram lugar a socalcos ou geios bem mais alargados, todavia mantendo os muros de xisto, até aos anos setenta e oitenta em que novos sistemas de implantação de vinha se vão impondo, como os terraços com taludes de terra e as vinhas ao alto.

Apesar destas evoluções inevitáveis, esta região tem mantido um forte carácter nos saberes, nos costumes, crenças, tradições e rituais no seio de uma população cuja matriz etnológica é diversificada, com enriquecedoras influências transmontanas, beirãs, galegas e vareiras e com algumas diferenças a nível das três sub-regiões que tradicionalmente se definem: Baixo-Corgo, de feição mais sub-atlântica pela posição geográfica mais ocidental, Cima-Corgo a sub-região central de cariz mais marcadamente mediterrâneo e a mais interior sub-região do Douro-Superior, ibero-mediterrânica, conforme se pode ver no mapa anexo. A cultura vinhateira, sendo marcadamente predominante, é acompanhada por outras culturas mediterrânicas como a oliveira, a amendoeira e a laranjeira, esta última confinada aos locais abrigados no fundo dos vales e junto ao rio Douro, surgindo a cultura de fruteiras diversas na região de transição para os planaltos transmontanos a norte e beirões a sul. É tradicional a plantação de oliveiras e por vezes de amendoeiras ou cerejeiras na bordadura dos vinhedos, aspeto esse que, sendo enriquecedor da beleza paisagística, está a ser de novo implementado e há que realçar o facto de que nesta região, ao contrário de outra regiões vinícolas europeias, a vinha não ocupa toda a paisagem, apenas 30% no Baixo Corgo, 20% no Cima-Corgo e 7% no Douro-Superior, alternando com outra culturas, com bosquetes onde predominam sobreiros, azinheiras e zimbros e com matos arbustivos, alguns dos quais são antigas vinhas mortas no tempo da filoxera e que por esse motivo se denominam «mortórios», matos esses onde predominam também espécies mediterrânicas como medronheiros, estevas, rosmaninhos, tomilhos, lentiscos, troviscos, piornos, giestas, sumagres e cornalheiras, toda esta diversidade conferindo uma beleza ímpar a esta magnífica paisagem. Como base de todo um prestígio ancestralmente granjeado pela região do Alto Douro, está o facto de ter sido a primeira região vinhateira do mundo a ser demarcada e regulamentada, sendo nesta regulamentação absolutamente pioneira – como simples demarcação geográfica, será a segunda ou terceira – mas a sua regulamentação, no sentido de balizar a produção e o comércio na defesa de um alto padrão de qualidade, é prodigiosa, pois continua a ser atual e todas as regiões vinícolas mundiais vão seguindo, na sua essência, os conceitos na nossa definidos desde a sua demarcação há precisamente 250 anos.

É UMA REGIÃO COM UMA ÁREA GEOGRÁFICA DE 250.000 HECTARES, DOS QUAIS 48.000 EM PRODUÇÃO VITÍCOLA, EMBORA APENAS 42.000 SEJAM CONSIDERADOS VINHA CONTÍNUA, 36.000 DOS QUAIS EM ENCOSTA, CONSTITUINDO UMA DAS MAIORES MANCHAS DE VITICULTURA DE ENCOSTA – 18 % DA VITICULTURA EUROPEIA DE ENCOSTA – E PREDOMINANTEMENTE MINIFUNDIÁRIA, POIS DOS 35.0000 VITICULTORES EXISTENTES NA REGIÃO, 28.000, OU SEJA 80%, PRODUZAM MENOS DE 10 PIPAS DE VINHO, SENDO A MÉDIA DA ÁREA DE VINHA DE APENAS CERCA DE 1,4 HECTARES POR VITICULTOR.

A área em rigor considerada classificada como património da humanidade é apenas cerca de 10% da área geográfica, ou seja, apenas uma faixa de 25.000 hectares mais próxima do rio Douro, por ser a mais significativa e a mais central, pese embora a saudável sensação, preponderante em todos os sectores, de que existe uma consciência da responsabilização e do orgulho que esta classificação implica, sentimentos esses automaticamente assumidos globalmente por toda a região demarcada.

O Alto Douro partilha com outras paisagens vitícolas já classificadas – Portovenere, Cinque Terre e Ilhas (Palmaria, Tino e Tinetto) em Itália, a Jurisdição de Saint Émilion em França, Wachau na Áustria, O Vale do Alto-Reno médio na Alemanha e as Vinhas do Pico nos Açores – ou propostas para classificação – Le Vignoble Champanois,

Le Vignoble des côtes de Nuits et de Beaune em França, Le vignoble de Lavaux, Suiça e A Paisagem Vitícola: Langhe, Roero, Monferrato and Valtellina em Itália – o cariz fundamental da harmonia entre o Homem e a Natureza, numa base de sustentabilidade económico-ecológica que são exemplos para toda a humanidade em paisagens de excelência, plasmadas de tradição, de memória, de humanismo e de confiança no futuro.